XIX. A VERDADE
Era necessário esclarecer aquela situação de uma vez por todas. Decidi, por isso, contar a mesma história que a avó me tinha contado a mim. Havia dois problemas.
Primeiro problema: contei que a rainha, Dona Azeviche, tinha proibido os demónios narigudos de assustarem as crianças do reino durante a noite. Depois, contei que os demónios, furiosos, roubaram uma poção à feiticeira, para que a princesa Florinda só conseguisse dormir durante o dia e passasse as noites acordada. E continuei, explicando que, por pedido do rei Dom Alvor, a rainha das abelhas, Dona Melina, tinha atenuado o feitiço dos demónios. Ou seja, a princesa dormiria de noite, se todos os domingos recebesse uma almofada cheia de caroços de cereja.
Segundo problema: a fada das algas pedira asilo a Dona Azeviche e a Dom Alvor. Por engano, a fada tinha transformado o palácio do rei dos mares num enorme recife de coral. Ele ficou furioso e expulsou a fada do seu reino. Dona Azeviche e Dom Alvor resolveram alojar a fada no lago lilás, o que aborreceu tanto a feiticeira, como os dois dragões, que se achavam donos do lago. Por isso, os dragões raptaram Dona Melina, sem a qual as abelhas deixaram de sair das colmeias. Sem abelhas, as flores de cerejeira não eram polinizadas e não nasciam mais cerejas no reino. E, sem cerejas, não havia caroços para as almofadas da princesa Florinda.
– Por isso, – concluí eu – resolvi ir ao reino dos mares, desfazer o feitiço do palácio. Assim, a fada das algas pode voltar para casa. Vocês podem libertar a Dona Melina e o problema das cerejeiras ficará resolvido. E o dos sonos da princesa Florinda também.
– Muito bem, Simão sem medo! – disse a Julieta, calmamente. – Em todas as histórias há sempre dois lados. É injusto julgar quem quer que seja, ouvindo apenas um lado da história. Agora, vou contar-te eu como as coisas realmente se passaram. Grande parte do que disseste é verdade. Contudo, nem nós, nem a feiticeira, nos importamos nada que a fada das algas tenha vindo viver para o lago. E não fomos nós que raptámos a Dona Melina.
– Mas a minha avó disse… – tentei eu interromper, achando que a avó sabia tudo.
Mas a Julieta continuou:
– Não, Simão. A tua avó contou-te a história que ela própria ouviu contar lá longe, nos cerejais. A verdade é que tu foste o primeiro que aqui apareceu desde então. Nunca ninguém nos veio perguntar nada. Todos evitam falar conosco e, por isso, continuam a acreditar nessa história que acabaste de contar.
– Se queres saber a minha opinião, – continuou a Helena, a dragão-fêmea prateada – os demónios narigudos são os que têm o maior interesse em que a Dona Melina tenha desaparecido…
Com esta é que eu não contava. Além de serem simpáticas, a Julieta e a Helena estavam inocentes no rapto de Dona Melina. Retirei a pétala de cristal do bolso e olhei-a tristemente.
– Que olhar triste é esse? – perguntou a Helena.
– A feiticeira deu-me esta pétala para desfazer o encanto do palácio do rei dos mares. Dessa maneira, a fada das algas regressaria a casa e a Dona Melina seria liberta. Mas assim é inútil. Esta pétala não adianta nada.
– Adianta sim, Simão! – retorquiu a Julieta, ternamente.
– Adianta como? – perguntei eu.
– Podes ajudar na mesma a fada a voltar para casa. – continuou a dragão-fêmea – Ela está muito triste, desde que vive aqui no lago lilás… podes não ajudar, para já, a princesa Florinda. Mas podes ajudar a fada das algas e restabelecer o equilíbrio no lago lilás. Depois, logo se vê como ajudar a princesa Florinda.
– E vocês levam-me ao reino dos mares? – perguntei eu, mais animado.
As duas dragões-fêmea entreolharam-se, sorriram-me, piscaram-me o olho e a Julieta respondeu alegremente:
– Levamos pois! Vamos os três ao reino dos mares, quebrar o feitiço do palácio do rei.
Enquanto eu esperava que a Julieta e a Helena se preparassem para a viagem, sentei-me na varanda panorâmica, em frente da gruta onde moravam. Fiquei ali a observar os bailados da fada das algas à superfície do lago, lá ao longe. Até os seus bailados pareciam tristes, melancólicos. Fiquei com mais vontade ainda de a ajudar a regressar a casa.
Douda Correria#92
Simão Sem Medo/ Os Jardins das Cerejeiras – Miguel Granja
(ilustrações de Beatriz Bagulho/ composição por Joana Pires)
colecção puto xarila 03
https://doudacorreriablog.wordpress.com/2017/10/09/coleccao-puto-xarila-da-douda-correria/
Imprensa/ Blog´s
Blog Antologia do Esquecimento | por Henrique Manuel Bento Fialho | O MELHOR DOS LIVROS EM 2018 | 05.01.2019:
http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com/2019/01/o-melhor-dos-livros-em-2018.html
Leituras Doudas
Simão Bárcia lê SIMÃO SEM MEDO
Inês Trindade lê SIMÃO SEM MEDO
Njamy Sebastião lê SIMÃO SEM MEDO
Vídeos: Beatriz Bagulho
Leitura: 27 JUL | das 20h30 às 23h30 | Livraria Ferin
MIGUEL GRANJA | na voz de CARLA BOLITO e MARTA LAPA |coordenação artística MARTA LAPA | direcção de produção RUY MALHEIRO | M/12
DA VOZ HUMANA 2019 | CICLO DE LEITURAS ENCENADAS
https://www.facebook.com/events/372010336833122/
Apresentação: 13 ABR/ 2019 | 17h | Biblioteca Municipal de Peniche
Com o autor e biólogos.
https://a-b-r-i-l.blogspot.com/2019/04/simao-sem-medona-biblioteca.html
http://www.cm-peniche.pt/Apresentacao-do-livro-SIMAO-SEM-MEDO
Apresentação/ Concerto: Festa do 5º aniversário da Douda Correria | 9 DEZ | Damas Com Miguel Granja, Lígia Soares e Banda Sem Medo (Simão Nuvem, Beatriz Bagulho e Afonso de Portugal)
https://www.facebook.com/events/2056511957974337/
Fotografias: Joana Bagulho
Lançamento: 03 e 04 NOV. | Fábrica das Artes/ CCB
Oficinas de Arte, Performance e uma Sessão de Debate
Com Miguel Granja, Nuno Moura, Joana Bagulho, Lígia Soares, Beatriz Bagulho, Marta Bernardes e convidados.
https://www.facebook.com/events/2120555388157305/
https://www.ccb.pt/Default/pt/FabricaDasArtes/Programacao/Oficinas?a=1572
Miguel Granja
Nasci em Lisboa. Estudei Microbiologia e publiquei o meu primeiro livro em 1998 com a Mariposa Azual. Trabalhei como encenador e como dramaturgo em Colónia e em Lisboa. Fui eu que traduzi (juntamente com Ana Luísa Guimarães) a peça de Edward Albee “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, publicada pela editora do Teatro Nacional D. Maria II. Fundei uma banda na Alemanha chamada Fado Soulto e da qual fui letrista, compositor e vocalista (álbum FADO AFOITO saiu em 2014). Também na Alemanha trabalhei como jornalista.
https://doudacorreriablog.wordpress.com/2017/10/09/coleccao-puto-xarila-da-douda-correria/